sexta-feira, 20 de junho de 2025

Aos Participantes da 2ª Conferência Anual sobre Inteligência Artificial, Ética e Governança Empresarial

Na ocasião desta Segunda Conferência Anual de Roma sobre Inteligência Artificial, estendo meus melhores votos a todos os participantes. A vossa presença testemunha a necessidade urgente de reflexão profunda e debate constante sobre a dimensão inerentemente ética da inteligência artificial, assim como sobre sua gestão responsável. A esse respeito, estou feliz que o segundo dia da Conferência ocorra no Palácio Apostólico, um claro sinal do desejo da Igreja de participar desses debates que dizem respeito diretamente ao presente e ao futuro da nossa família humana.

Junto ao seu extraordinário potencial de trazer benefícios à família humana, o rápido desenvolvimento da inteligência artificial também levanta questões mais profundas sobre o uso correto dessa tecnologia na geração de uma sociedade global mais autenticamente justa e humana. 

Por sua parte, a Igreja deseja contribuir para um debate sereno e informado sobre essas questões urgentes, sublinhando, antes de tudo, a necessidade de avaliar as ramificações da inteligência artificial à luz do «desenvolvimento integral da pessoa e da sociedade» (Nota Antiqua et nova, n. 6). Isso significa levar em conta o bem-estar da pessoa humana não apenas do ponto de vista material, mas também intelectual e espiritual; significa salvaguardar a dignidade inviolável de cada ser humano e respeitar as riquezas culturais e espirituais e a diversidade dos povos do mundo. Em essência, é necessário avaliar os benefícios e os riscos da inteligência artificial segundo esse critério ético superior.

A inteligência artificial, especialmente a generativa, abriu novos horizontes em muitos níveis diferentes, incluindo a melhoria da pesquisa em saúde e as descobertas científicas, mas também levanta perguntas preocupantes sobre suas possíveis repercussões na abertura da humanidade à verdade e à beleza, sobre nossa particular capacidade de compreender e elaborar a realidade. Reconhecer e respeitar o que caracteriza de forma única a pessoa humana é essencial para o debate sobre qualquer estrutura ética adequada para a gestão da inteligência artificial.

Todos nós, tenho certeza, estamos preocupados com as crianças e os jovens, e com as possíveis consequências do uso da inteligência artificial em seu desenvolvimento intelectual e neurológico. Nossos jovens devem ser ajudados e não obstruídos em seu caminho em direção à maturidade e à responsabilidade autêntica. Eles são nossa esperança para o futuro, e o bem-estar da sociedade depende de que lhes seja dada a capacidade de desenvolver os dons e as habilidades recebidos de Deus e de responder às exigências do tempo e às necessidades dos outros com um espírito livre e generoso. No final, a verdadeira sabedoria tem mais a ver com reconhecer o verdadeiro sentido da vida do que com a disponibilidade de dados

Texto integral aqui.

Aos Capitulares Franciscanos Conventuais e Trinitários

Bem-vindos, amados irmãos e irmãs! Saúdo em particular os Superiores-gerais - ambos foram confirmados - os Conselheiros e os Capitulares da Ordem dos Frades Menores Conventuais e da Ordem da Santíssima Trindade e dos escravos, assim como os delegados das Ordens Terceiras e dos grupos laicais.

Poder receber juntos Franciscanos e Trinitários fez-me lembrar uma pintura que se encontra na abside da Basílica de São João de Latrão, que representa uma audiência da qual esta poderia ser uma bonita evocação. Com efeito, a imagem mostra o Papa Inocêncio III que recebe São Francisco e São João de Mata juntos, a fim de honrar a sua grande contribuição para a reforma da vida religiosa.

É interessante observar que São Francisco é representado de joelhos, com um enorme livro aberto, quase como se estivesse prestes a dizer ao Pontífice: «Santidade, peço-lhe apenas para viver a regra do Santo Evangelho sine glossa» (cf. Test 14-15). São João de Mata, pelo contrário, está de pé e segura nas mãos a Regra que redigiu com o Pontífice. Se São Francisco mostra a sua docilidade à Igreja, apresentando o seu projeto não como próprio, mas como dádiva divina, São João de Mata mostra o texto aprovado, após o estudo e o discernimento, como ápice de um trabalho absolutamente necessário para realizar o propósito que Deus inspirou. As duas atitudes, longe de estar em contraste entre elas, iluminar-se-iam mutuamente, constituindo uma linha-guia para o serviço que desde então a Santa Sé desempenhou a favor de todos os carismas.

Caríssimos, gostaria de concluir este encontro com os Louvores a Deus Altíssimo, o triságio escrito por São Francisco: «Tu és santo, Senhor, único Deus, que realizas maravilhas. Tu és forte, Tu és grande, Tu és altíssimo, Tu és rei todo-poderoso, Tu, Pai santo, rei do céu e da terra» (Fontes Franciscanas, 261).

Texto completo aqui.

Aos Sacerdotes da Pontifícia Academia Eclesiástica


Estou feliz em vos encontrar hoje e em dirigir a cada um de vós a minha cordial saudação. Dou as boas-vindas ao vosso Presidente, S. Exª. Dom Salvatore Pennacchio, ao vosso Prefeito dos Estudos, Mons. Gabriel Viola, e a vós, caros sacerdotes, que estais de volta da experiência do Ano Missionário, como um complemento à vossa formação na Pontifícia Academia Eclesiástica.

Na semana passada, ao encontrar vossos colegas da Alma mater dos diplomatas pontifícios, tive a oportunidade de reafirmar o valor dessa intuição formativa introduzida pelo meu venerado predecessor. Eu os exortei a serem e permanecerem «pastores com os pés no chão», para encarnar a figura do sacerdote a serviço do Papa nas Representações pontifícias, bem delineada no Quirógrafo Il ministero petrino, com o qual se quis dar um novo impulso à vossa milenar Instituição, que em breve celebrará o 325º aniversário de fundação.

Como afirmei em algumas ocasiões durante o recente Jubileu da Santa Sé, a preservação daquela solicitude por todas as Igrejas – própria do ministério que me foi confiado – necessita do fiel e insubstituível serviço da Secretaria de Estado e dos Representantes Pontifícios, com os quais vós começareis a colaborar em breve.

Por isso, exorto também a vós a exercerdes o dom do vosso sacerdócio com humildade e mansidão, capacidade de escuta e proximidade, como fiéis e incansáveis discípulos de Cristo Bom Pastor. Quaisquer que sejam as tarefas que vos forem confiadas, em qualquer parte do mundo em que vos encontreis, o Papa deve poder contar com sacerdotes que, na oração como no trabalho, não se poupem em levar a Sua proximidade aos povos e às Igrejas com seu testemunho.

Agradeço mais uma vez pela docilidade e abnegação com que, neste último ano, vós vos dedicastes em contextos tão diversos e abençoo de coração o início do vosso ministério no serviço diplomático da Santa Sé. 

quarta-feira, 18 de junho de 2025

Nos 500 anos de nascimento de Palestrina


Depois de ouvir essas vozes angelicais, seria quase melhor não falar e nos deixar levar por essa belíssima experiência... 

Giovanni Pierluigi da Palestrina foi, na história da Igreja, um dos compositores que mais contribuiu para a promoção da música sacra, para «a glória de Deus e a santificação e edificação dos fiéis», no delicado e ao mesmo tempo empolgante contexto da Contra-Reforma. Suas composições, solenes e austeras, inspiradas no canto gregoriano, unem estreitamente música e liturgia, «tanto dando à oração uma expressão mais suave e favorecendo a unanimidade, como enriquecendo com maior solenidade os ritos sagrados» 

A polifonia em si, por sua vez, é uma forma musical carregada de significado, para a oração e para a vida cristã. Antes de tudo, ela se inspira no Texto sagrado, que se propõe a «vestir com adequada melodia» para que chegue melhor «à inteligência dos fiéis». 

Graças a essa riqueza de forma e conteúdo, a tradição polifônica romana, além de nos ter deixado um imenso patrimônio de arte e espiritualidade, continua a ser hoje, no campo musical, um ponto de referência a ser considerado, ainda que com os devidos ajustes, na composição sacra e litúrgica, para que através do canto «os fiéis participem plenamente, conscientemente e ativamente da liturgia» (Sacrosanctum Concilium, 14), com profundo envolvimento de voz, mente e coração. De tudo isso, a Missa Papae Marcelli, em seu gênero, é um exemplo por excelência, assim como o precioso repertório de composições deixado por nosso inesquecível Cardeal Domenico Bartolucci, ilustre compositor e, por quase cinquenta anos, diretor da Cappella Musicale Pontificia “Sistina”.

Texto completo aqui. 

Audiência Geral - A Cura do Paralítico


Continuemos a contemplar Jesus que cura. Hoje gostaria de vos convidar a pensar de modo especial nas situações em que nos sentimos “bloqueados” e fechados num beco sem saída. Com efeito, às vezes parece-nos que é inútil continuar a esperar; resignamo-nos e já não queremos lutar. Esta situação é descrita nos Evangelhos com a imagem da paralisia. Por isso, hoje gostaria de meditar sobre a cura de um paralítico, narrada no quinto capítulo do Evangelho de São João (5, 1-9).

Jesus vai a Jerusalém para uma festa dos judeus. Não vai imediatamente ao Templo; detém-se perto de uma porta, onde provavelmente se lavavam as ovelhas que depois eram oferecidas nos sacrifícios. Perto daquela porta paravam também muitos doentes que, ao contrário das ovelhas, eram excluídos do Templo por serem considerados impuros! Assim, é o próprio Jesus que vai ao encontro deles na sua dor. Estas pessoas esperavam um milagre que pudesse mudar o seu destino; com efeito, ao lado da porta havia uma piscina, cujas águas eram consideradas taumatúrgicas, isto é, capazes de curar: em certos momentos, a água agitava-se e, segundo a crença daquela época, quem se imergisse primeiro ficava curado.

Assim, criava-se uma espécie de “guerra entre pobres”: podemos imaginar a triste cena destes doentes que se arrastavam cansativamente para entrar na piscina. Aquela piscina chamava-se Betesda, que significa “casa da misericórdia”: poderia ser uma imagem da Igreja, onde se reúnem os doentes e os pobres, onde o Senhor vem para curar e dar esperança.

Jesus dirige-se especificamente a um homem que está paralisado há trinta e oito anos. Já está resignado, porque nunca consegue imergir-se na piscina quando a água se agita (cf. v. 7). Com efeito, muitas vezes o que nos paralisa é precisamente a desilusão. Sentimo-nos desanimados e corremos o risco de cair na preguiça.

A este paralítico Jesus faz uma pergunta que pode parecer supérflua: «Queres ficar curado?» (v. 6). No entanto, é uma pergunta necessária, pois quando se está bloqueado há tantos anos, pode faltar até a vontade de se curar. Às vezes preferimos permanecer na condição de doentes, obrigando os outros a cuidar de nós. É por vezes até um pretexto para não decidir o que fazer da nossa vida. Jesus, pelo contrário, remete este homem para o seu desejo mais verdadeiro e profundo.

Efetivamente, este homem responde de maneira mais articulada à pergunta de Jesus, revelando a sua visão da vida. Em primeiro lugar, diz que não tem ninguém que o mergulhe na piscina: portanto, a culpa não é dele, mas dos outros que não cuidam dele. Esta atitude torna-se pretexto para evitar as próprias responsabilidades. Mas é realmente verdade que não havia ninguém que o ajudasse? Eis a resposta iluminadora de Santo Agostinho: «Sim, para ser curado, tinha absolutamente necessidade de um homem, mas de um homem que também fosse Deus. [...] Portanto, chegou o homem que era necessário; porquê continuar a adiar a cura?» (Homilia 17, 7).

Depois, o paralítico acrescenta que, quando procura entrar na piscina, há sempre alguém que chega antes dele. Este homem exprime uma visão fatalista da vida. Pensamos que as coisas nos acontecem porque não temos sorte, porque o destino nos é adverso. Este homem está desanimado! Sente-se derrotado na luta da vida.

No entanto, Jesus ajuda-o a descobrir que a sua vida está também nas suas mãos. Convida-o a levantar-se, a sair da sua situação crónica e a pegar na sua maca (cf. v. 8). Aquele catre não deve ser deixado nem abandonado: representa o seu passado de doença, é a sua história. O passado bloqueou-o até àquele momento; obrigou-o a ficar deitado como um morto. Agora é ele que pode pegar naquela maca e levá-la para onde quiser: pode decidir o que fazer com a sua história! Trata-se de caminhar, assumindo a responsabilidade de escolher que caminho seguir. E isto graças a Jesus!

Caríssimos irmãos e irmãs, peçamos ao Senhor o dom de compreender onde a nossa vida se bloqueou. Procuremos dar voz ao nosso desejo de cura. E oremos por todos aqueles que se sentem paralisados, que não veem uma saída. Peçamos para voltar a habitar no Coração de Cristo, que é a verdadeira casa da misericórdia!

terça-feira, 17 de junho de 2025

À Conferência Episcopal Italiana


Em virtude do vínculo privilegiado entre o Papa e os Bispos italianos, desejo indicar algumas atenções pastorais que o Senhor coloca diante do nosso caminho e que requerem reflexão, ação concreta e testemunho evangélico. 

Em primeiro lugar, é necessário um impulso renovado no anúncio e na transmissão da fé. Trata-se de colocar Jesus Cristo no centro e, no caminho indicado pela Evangelii gaudium, ajudar as pessoas a viver uma relação pessoal com Ele, para descobrir a alegria do Evangelho. 

A relação com Cristo nos chama a desenvolver uma atenção pastoral sobre o tema da paz. O Senhor, de fato, nos envia ao mundo para levar o seu próprio dom: “A paz esteja convosco!”, e para nos tornarmos artífices dela nos lugares da vida cotidiana. Penso nas paróquias, nos bairros, nas áreas interiores do país, nas periferias urbanas e existenciais. 

Existem também os desafios que interpelam o respeito pela dignidade da pessoa humana. A inteligência artificial, as biotecnologias, a economia dos dados e as mídias sociais estão transformando profundamente nossa percepção e nossa experiência da vida. Nesse cenário, a dignidade humana corre o risco de ser diminuída ou esquecida, substituída por funções, automatismos e simulações. 

Recomendo, em particular, cultivar a cultura do diálogo. É bonito que todas as realidades eclesiais – paróquias, associações e movimentos – sejam espaços de escuta intergeracional, de confronto com mundos diferentes, de cuidado com as palavras e com as relações. 

Anúncio do Evangelho, paz, dignidade humana, diálogo: são essas as coordenadas através das quais vós podereis ser uma Igreja que encarna o Evangelho e é sinal do Reino de Deus. 

Texto completo aqui.

segunda-feira, 16 de junho de 2025

Aos Peregrinos da República Democrática do Congo


Com alegria vos acolho, após a beatificação de Floribert Bwana Chui. Saúdo os Bispos presentes, em particular aqueles da República Democrática do Congo, entre os quais o Bispo de Goma, diocese onde viveu o novo Beato. Saúdo a mãe e os familiares do Beato Floribert, assim como a Comunidade de Sant’Egidio, da qual ele fazia parte. Este jovem encontrou o martírio em Goma, no dia 8 de julho de 2007. 

De onde um jovem tirou a força para resistir à corrupção, enraizada na mentalidade corrente e capaz de toda violência? A escolha de manter as mãos limpas — ele era funcionário da alfândega — se desenvolveu em uma consciência formada pela oração, pela escuta da Palavra de Deus e pela comunhão com os irmãos.

Foi um homem de paz. Em uma região tão sofrida como o Kivu, marcada pela violência, ele levava adiante sua batalha pela paz com mansidão, servindo os pobres, praticando a amizade e o encontro em uma sociedade dilacerada. Uma religiosa lembrou que ele dizia: «A comunidade coloca todos os povos à mesma mesa».

Este jovem, nada conformado com o mal, tinha um sonho, que se nutria das palavras do Evangelho e da proximidade com o Senhor. Muitos jovens se sentiam abandonados e sem esperança, mas Floribert ouvia a palavra de Jesus: «Não os deixarei órfãos; voltarei para vocês» (Jo 14,18). 

Este mártir africano, em um continente rico em jovens, mostra como eles podem ser um fermento de paz “desarmada e desarmante”. Este leigo congolês ressalta o valor precioso do testemunho dos leigos e dos jovens. Que, então, pela intercessão da Virgem Maria e do Beato Floribert, se realize em breve a tão esperada paz no Kivu, no Congo e em toda a África! Obrigado.

Texto completo aqui. 

Aos Estudantes e Estudiosos da Specola Vaticana


Estou feliz por ter esta oportunidade de saudar a todos vós, estudantes e estudiosos de várias partes do mundo que participais da Escola de Verão da Specola Vaticana. Ofereço meus melhores votos para que esta experiência de viver e estudar juntos não seja apenas um enriquecimento acadêmico e pessoal, mas também ajude a desenvolver amizades e formas de colaboração que certamente contribuirão para o progresso da ciência a serviço da nossa única família humana.

A Escola de Verão deste ano é dedicada — assim me dizem — ao tema Explorar o universo com o telescópio espacial James Webb. Sem dúvida, este deve ser um momento empolgante para serdes astrônomos! 

Os autores das Sagradas Escrituras, escrevendo há tantos séculos, não puderam beneficiar-se desse privilégio. No entanto, sua imaginação poética e religiosa refletiu sobre como poderia ter sido o momento da criação, quando “As estrelas brilham em seus postos e se alegram; ele as chama e respondem: ‘Aqui estamos!’ e brilham de alegria por aquele que as criou” (Baruc 3, 34). Hoje, as imagens do James Webb não nos enchem de maravilha e, de fato, de uma alegria misteriosa enquanto contemplamos sua sublime beleza?

Naturalmente, nenhum de vós chegou a este ponto sozinho. Cada um de vós faz parte de uma comunidade muito maior. Pensai em todas as pessoas que, nos últimos trinta anos, trabalharam para construir o Telescópio Espacial e seus instrumentos, e em aqueles que trabalharam para elaborar as ideias científicas para as quais ele foi concebido. Além da contribuição de vossos colegas cientistas, engenheiros e matemáticos, é também graças ao apoio de vossas famílias e de muitos amigos que vós pudestes apreciar e participar desta extraordinária empreitada, que nos permitiu ver de uma nova forma o mundo ao nosso redor.

Que Deus os abençoe.

Texto completo aqui.

Aos Bispos de Madagascar


É com grande alegria que vos acolho hoje junto à tumba do apóstolo Pedro, a vós pastores da Igreja que está em Madagascar, que viestes a Roma em peregrinação jubilar. Este encontro tem para mim um significado especial, pois é o nosso primeiro encontro. Agradeço ao Senhor por esta oportunidade de fraternidade em Cristo.

Devo também dizer-vos que admiro a vossa decisão de vir todos juntos a Roma, como bispos de Madagascar. 

Agradeço pela vitalidade missionária das vossas Igrejas particulares, herdeiras do testemunho dos santos que, para levar o Evangelho a esta terra distante, não temeram nem a rejeição nem a perseguição. Gostaria de lembrar Henri de Solages, o primeiro missionário que não se deixou desanimar pelo fracasso e pela prisão, ou o santo mártir Jacques Berthieu, cujo sangue foi semente de cristãos em Madagascar. Que seu exemplo continue a fortalecer-vos na entrega de vós mesmos a Cristo e à sua Igreja, entre os sucessos e as provações pastorais que enfrentais para alcançar o povo de Deus nas diversas realidades de vossas dioceses!

Texto completo aqui.

 

domingo, 15 de junho de 2025

Santa Missa no Jubileu do Desporto

Na primeira Leitura, ouvimos as seguintes palavras: «Eis o que diz a Sabedoria de Deus: “O Senhor me criou como primícias da sua atividade, antes das suas obras mais antigas. […] Quando Ele consolidava os céus, eu estava presente; […] eu estava a seu lado como arquiteto, cheia de júbilo, dia após dia, deleitando-me continuamente na sua presença. Deleitava-me sobre a face da terra e as minhas delícias eram estar com os filhos dos homens”» (Pr 8, 22.27.30-31). Para Santo Agostinho, a Trindade e a sabedoria estão intimamente ligadas. A sabedoria divina é revelada na Santíssima Trindade e a sabedoria leva-nos sempre à verdade.

Hoje, enquanto celebramos a Solenidade da Santíssima Trindade, vivemos os dias do Jubileu do Desporto. O binómio Trindade-desporto não é usado com muita frequência, mas a associação não é descabida. Na verdade, toda boa atividade humana traz em si um reflexo da beleza de Deus, e certamente o desporto está entre elas

Alguns Padres da Igreja chegam mesmo a falar, com ousadia, de um Deus ludens, de um Deus que se diverte (cf. S. Salônio de Genebra, In Parabolas Salomonis expositio mystica; S. Gregório Nazianzeno, Carmina, I, 2, 589). Eis a razão pela qual o desporto pode ajudar-nos a encontrar o Deus Trino: porque exige um movimento do eu para o outro, que é certamente exterior, mas também e sobretudo interior. Sem isso, ele se reduz a uma estéril competição de egoísmos.

São João Paulo II – que era, como sabemos, um desportista – assim falou: «O desporto é alegria de viver, jogo, festa, e como tal deve ser valorizado […] mediante a recuperação da sua gratuitidade, da sua capacidade de estreitar vínculos de amizade, de favorecer o diálogo e a abertura de uns aos outros […] bem acima não só das duras leis da produção e do consumo, mas também de qualquer outra consideração puramente utilitarista e hedonista da vida»

Em primeiro lugar, numa sociedade marcada pela solidão, em que o individualismo exagerado deslocou o centro de gravidade do “nós” para o “eu”, fazendo com que o outro fosse ignorado, o desporto – especialmente quando é praticado em conjunto – ensina o valor da colaboração, do caminhar juntos, daquela partilha que, como já dissemos, está no coração mesmo da vida de Deus (cf. Jo16, 14-15). 

Em segundo lugar, numa sociedade cada vez mais digital – em que as tecnologias, embora aproximando pessoas distantes, muitas vezes afastam aqueles que estão próximos – o desporto valoriza a concretude do estar juntos, o sentido do corpo, do espaço, do esforço, do tempo real. .

Em terceiro lugar, numa sociedade competitiva, onde parece que apenas os fortes e os vencedores merecem viver, o desporto também ensina a perder, colocando o homem frente a frente, na arte da derrota, com uma das verdades mais profundas da sua condição: a fragilidade, o limite, a imperfeição. O atleta que nunca erra, que nunca perde, não existe. Os campeões não são máquinas infalíveis, mas homens e mulheres que, mesmo derrotados, encontram a coragem para se reerguer. 

Texto completo aqui. 

sábado, 14 de junho de 2025

Audiência Jubilar - Irineu de Lyon


A esperança que nos reúne é a transmitida pelos Apóstolos desde o princípio. Os Apóstolos viram em Jesus a terra se ligar ao céu: com os olhos, os ouvidos, as mãos acolheram o Verbo da vida. O Jubileu é uma porta aberta para este mistério. O ano jubilar conecta mais radicalmente o mundo de Deus ao nosso. Convida-nos a levar a sério o que oramos todos os dias: «Assim na terra como no céu». Esta é a nossa esperança. Eis o aspecto que hoje gostaríamos de aprofundar: esperar é conectar.

Um dos maiores teólogos cristãos, o bispo Irineu de Lyon, nos ajudará a reconhecer como é bela e atual essa esperança. Irineu nasceu na Ásia Menor e se formou entre aqueles que conheceram diretamente os Apóstolos. Depois, veio à Europa, porque em Lyon já se havia formado uma comunidade de cristãos provenientes de sua própria terra. Como é bom lembrá-lo aqui, em Roma, na Europa! O Evangelho foi trazido a este continente de fora. E também hoje as comunidades de migrantes são presenças que revitalizam a fé nos países que as acolhem. O Evangelho vem de fora. Irineu conecta Oriente e Ocidente. Já isso é um sinal de esperança, pois nos lembra como os povos continuam a se enriquecer mutuamente.

Irineu, no entanto, tem um tesouro ainda maior para nos doar. As divisões doutrinárias que encontrou dentro da comunidade cristã, os conflitos internos e as perseguições externas não o desencorajaram. Pelo contrário, em um mundo em frangalhos, aprendeu a pensar melhor, trazendo cada vez mais profundamente a atenção a Jesus. Tornou-se um cantor de sua pessoa, na verdade, de sua carne. Reconheceu, de fato, que Nele o que nos parece oposto se recompõe em unidade. Jesus não é uma parede que separa, mas uma porta que nos une. É preciso permanecer Nele e distinguir a realidade das ideologias.

Queridos irmãos e irmãs, mesmo hoje as ideias podem enlouquecer e as palavras podem matar. A carne, por outro lado, é o que todos nós somos; é o que nos liga à terra e às outras criaturas. A carne de Jesus deve ser acolhida e contemplada em cada irmão e irmã, em cada criatura. Ouçamos o grito da carne, sintamo-nos chamados pelo nome pela dor do outro. O mandamento que recebemos desde o princípio é o de um amor recíproco. Está escrito em nossa carne, antes de qualquer lei.

Irineu, mestre da unidade, nos ensina a não opor, mas a conectar. Há inteligência não onde se separa, mas onde se conecta. Distinção é útil, mas divisão nunca. Jesus é a vida eterna no meio de nós: Ele reúne os opostos e torna possível a comunhão.

Texto completo aqui. 

sexta-feira, 13 de junho de 2025

Consistório para algumas causas de canonização


O Ofício das Celebrações Litúrgicas do Sumo Pontífice comunica que nesta manhã, às 9h, na Sala do Consistório do Palácio Apostólico Vaticano, o Santo Padre Leão XIV presidiu a celebração da Hora Terça e o Consistório Ordinário Público para a Canonização dos Beatos:

-   Ignazio Choukrallah Maloyan, Arcebispo armeno católico de Mardin, mártir;

-   Peter To Rot, leigo e catequista, mártir; 

-   Vincenza Maria Poloni, fundadora do Instituto da Irmãs da Misericórdia de Verona; 

-   Maria del Monte Carmelo Rendiles Martínez, fundadora da Congregação das Servas de Jesus; 

-   Maria Troncatti, religiosa professa da Congregação das Filhas de Maria Auxiliadora; 

-   José Gregorio Hernández Cisneros, fiel leigo; 

-   Pier Giorgio Frassati, fiel leigo da Ordem Terceira de São Domingos; 

-   Bartolo Longo, fiel leigo; 

No curso do Consistório, o Papa decretou que o Beato Pier Giorgio Frassati, juntamente com o Beato Carlo Acutis, sejam inscritos no Álbum dos Santos no domingo, 7 de setembro de 2025; enquanto os Beatos Ignazio Choukrallah Maloyan, Peter To Rot, Vincenza Maria Poloni, Maria del Monte Carmelo Rendiles Martínez, Maria Troncatti, José Gregorio Hernández Cisneros e Bartolo Longo sejam inscritos no Albo dos Santos no domingo, 19 de outubro de 2025


 

Mensagem do Papa Leão pelo IX Dia Mundial dos Pobres

1. «Tu és a minha esperança, ó Senhor Deus» (Sl 71,5). Essas palavras emanam de um coração oprimido por graves dificuldades. Apesar disso, o seu espírito está aberto e confiante, porque firme na fé reconhece o amparo de Deus e o professa: «És o meu rochedo e a minha fortaleza» (v. 3). 

2. O pobre pode tornar-se testemunha de uma esperança forte e confiável, precisamente porque professada numa condição de vida precária, feita de privações, fragilidade e marginalização. Ele não conta com as seguranças do poder e do ter; pelo contrário, sofre-as e, muitas vezes, é vítima delas. A sua esperança só pode repousar noutro lugar. Reconhecendo que Deus é a nossa primeira e única esperança, também nós fazemos a passagem entre as esperanças que passam e a esperança que permanece. 

3. A pobreza mais grave é não conhecer a Deus. É uma regra da fé e um segredo da esperança: embora importantes, todos os bens desta terra, as realidades materiais, os prazeres do mundo ou o bem-estar económico não são suficientes para fazer o coração feliz. 

4. A esperança cristã, à qual a Palavra de Deus remete, é certeza no caminho da vida, porque não depende da força humana, mas da promessa de Deus, que é sempre fiel. Por isso, desde os primórdios, os cristãos quiseram identificar a esperança com o símbolo da âncora, que oferece estabilidade e segurança. A esperança cristã é como uma âncora, que fixa o nosso coração na promessa do Senhor Jesus, que nos salvou com a sua morte e ressurreição e que retornará novamente no meio de nós. 

A Tradição da Igreja reafirma constantemente esta circularidade entre as três virtudes teologais: fé, esperança e caridade. A esperança nasce da fé, que a alimenta e sustenta, sobre o fundamento da caridade, que é a mãe de todas as virtudes. Em vez disso, quem carece de caridade não só carece de fé e esperança, mas tira a esperança ao seu próximo.

5. Com efeito, a caridade é «o maior mandamento social». A pobreza tem causas estruturais que devem ser enfrentadas e eliminadas. À medida que isso acontece, todos somos chamados a criar novos sinais de esperança que testemunhem a caridade cristã, como fizeram, em todas as épocas, muitos santos e santas. Os hospitais e as escolas, por exemplo, são instituições criadas para expressar o acolhimento aos mais fracos e marginalizados. Eles deveriam fazer parte das políticas públicas de todos os países, mas as guerras e as desigualdades frequentemente ainda o impedem.

Os pobres não são um passatempo para a Igreja, mas sim os irmãos e irmãs mais amados, porque cada um deles, com a sua existência e também com as palavras e a sabedoria que trazem consigo, levam-nos a tocar com as mãos a verdade do Evangelho. Por isso, Dia Mundial dos Pobres pretende recordar às nossas comunidades que os pobres estão no centro de toda a ação pastoral

6. Os pobres não são objetos da nossa pastoral, mas sujeitos criativos que nos estimulam a encontrar sempre novas formas de viver o Evangelho hoje. Diante da sucessão de novas ondas de empobrecimento, corre-se o risco de se habituar e resignar-se. Todos os dias, encontramos pessoas pobres ou empobrecidas e, às vezes, pode acontecer que sejamos nós mesmos a possuir menos, a perder o que antes nos parecia seguro: uma casa, comida suficiente para o dia, acesso a cuidados de saúde, um bom nível de educação e informação, liberdade religiosa e de expressão.

Com efeito, ajudar os pobres é uma questão de justiça, muito antes de ser uma questão de caridade. Como observa Santo Agostinho: «Damos pão a quem tem fome, mas seria muito melhor que ninguém passasse fome e não precisássemos ser generosos para com ninguém. Damos roupas a quem está nu, mas Deus queira que todos estejam vestidos e que ninguém passe necessidades sobre isto» (Comentário à 1 Jo, VIII, 5).

Texto completo aqui.

 

quinta-feira, 12 de junho de 2025

Ao Clero de Roma


Agradeço-vos pela vossa vida confiada ao serviço do Reino, pelo vosso trabalho diário, por tanta generosidade no exercício do ministério, por tudo o que viveis em silêncio e que, às vezes, é acompanhado por sofrimentos ou incompreensões. Desempenhais diferentes serviços, mas todos vós sois preciosos aos olhos de Deus e na realização do seu desígnio.

A primeira nota, que me é particularmente cara, é relativa à unidade e à comunhão. Na chamada oração “sacerdotal”, como sabemos, Jesus pediu ao Pai que os seus fossem um (cf. Jo 17, 20-23). O Senhor sabe bem que só unidos a Ele e entre nós podemos dar fruto e testemunho credível ao mundo. 

Gostaria de vos ajudar, de caminhar convosco, para que cada um recupere a serenidade no seu ministério; mas, precisamente por isso, peço-vos um ímpeto na fraternidade presbiteral, que mergulha as suas raízes numa sólida vida espiritual, no encontro com o Senhor e na escuta da sua Palavra. Alimentados por esta linfa, conseguimos viver relações de amizade, competindo na estima recíproca (cf. Rm 12, 10); sentimos a necessidade do outro para crescer e alimentar a mesma tensão eclesial.

Peço a todos que prestem atenção ao caminho pastoral desta Igreja, que é local, mas devido a quem a preside é também universal. Caminhar juntos é sempre garantia de fidelidade ao Evangelho; juntos e em harmonia, procurando enriquecer a Igreja com o próprio carisma, mas tendo a peito o único corpo do qual Cristo é a Cabeça.

A segunda nota que vos desejo transmitir é relativa à exemplaridade. Peço-vos com o coração de pai e pastor: esforcemo-nos todos por ser sacerdotes credíveis e exemplares! Estamos conscientes dos limites da nossa natureza e o Senhor conhece-nos profundamente; mas recebemos uma graça extraordinária, foi-nos confiado um tesouro precioso do qual somos ministros, servidores. E ao servo pede-se fidelidade.  Se juntos procurarmos ser exemplares numa vida humilde, então conseguiremos exprimir a força renovadora do Evangelho para cada homem e mulher.

Uma última nota que vos quero confiar é a do olhar para os desafios do nosso tempo em chave profética. Preocupa-nos e amargura-nos quanto acontece todos os dias no mundo: ferem-nos as violências que geram morte, somos interpelados pelas desigualdades, pelas pobrezas, por tantas formas de marginalização social, pelo sofrimento generalizado que assume as feições de um mal-estar que já não poupa ninguém. 

O Senhor quis-nos precisamente a nós neste tempo cheio de desafios que, às vezes, nos parecem maiores do que as nossas forças! Somos chamados a abraçar estes desafios, a interpretá-los evangelicamente, a vivê-los como ocasiões de testemunho. Não os evitemos! 

Caríssimos, asseguro-vos a minha proximidade, o meu afeto e a minha disponibilidade para caminhar convosco. 

Texto completo aqui. 

quarta-feira, 11 de junho de 2025

Audiência Gera - Bartimeu


Com esta catequese, gostaria de orientar o nosso olhar para outro aspeto essencial da vida de Jesus: ou seja, as suas curas. Por isso, convido-vos a colocar diante do Coração de Cristo as vossas partes mais dolorosas ou frágeis, aqueles lugares da vossa vida onde vos sentis parados e bloqueados. Peçamos ao Senhor com confiança que ouça o nosso grito e nos cure!

O personagem que nos acompanha nesta reflexão ajuda-nos a compreender que nunca devemos abandonar a esperança, mesmo quando nos sentimos perdidos. Trata-se de Bartimeu, cego e mendigo, que Jesus encontrou em Jericó (cf. Mc 10, 40-52). 

O que podemos fazer quando nos encontramos numa situação que parece sem saída? Bartimeu ensina-nos a apelar aos recursos que temos em nós e que fazem parte de nós. Ele é um mendigo, sabe pedir, aliás consegue gritar! Se desejas realmente algo, fazes tudo para o poder alcançar, até quando os outros te censuram, te humilham e te dizem para desistir. Se o desejas realmente, continua a gritar!

Bartimeu é cego, mas paradoxalmente vê melhor do que os outros e reconhece quem é Jesus! Perante o seu grito, Jesus detém-se e chama-o (cf. v. 49), pois não há grito que Deus não ouça, até quando não estamos conscientes de nos dirigirmos a Ele (cf. Ex 2, 23). 

No entanto, muitas vezes o que nos bloqueia são precisamente as nossas aparentes seguranças, aquilo que vestimos para nos defendermos e que, pelo contrário, nos impede de caminhar. Para ir ao encontro de Jesus e para se deixar curar, Bartimeu deve expor-se a Ele em toda a sua vulnerabilidade. Esta é a passagem fundamental para qualquer caminho de cura.

Até a pergunta que Jesus lhe dirige parece estranha: «Que queres que eu te faça?» (v. 51). Mas, na realidade, não é óbvio que queiramos ser curados das nossas doenças, às vezes preferimos ficar parados para não assumir responsabilidades. A resposta de Bartimeu é profunda: utiliza o verbo anablepein, que pode significar “ver de novo”, mas que poderíamos traduzir também como “elevar o olhar”. Com efeito, Bartimeu não só quer voltar a ver, mas também quer recuperar a sua dignidade

O que salva Bartimeu, e cada um de nós, é a fé. Jesus cura-nos para podermos ser livres

Texto completo aqui.

 

terça-feira, 10 de junho de 2025

Aos Representantes Pontifícios

Vós sois, já com as vossas pessoas, uma imagem da Igreja Católica, porque não existe em nenhum país do mundo um Corpo diplomático tão universal como o nosso! Porém, ao mesmo tempo, creio que se pode dizer igualmente que nenhum país do mundo tem um Corpo diplomático tão unido como vós estais unidos: porque a vossa, a nossa comunhão não é apenas funcional, nem apenas ideal, mas estamos unidos em Cristo e estamos unidos na Igreja. É interessante refletir sobre este fato: que a diplomacia da Santa Sé constitui, em seu próprio pessoal, um modelo – não certamente perfeito, mas muito significativo – da mensagem que propõe, ou seja, da fraternidade humana e da paz entre todos os povos. 

E agora gostaria de compartilhar convosco uma imagem bíblica que me veio à mente ao pensar na vossa missão em relação à minha. No início dos Atos dos Apóstolos (3,1-10), o relato da cura do coxo descreve bem o ministério de Pedro. Estamos nos albores da experiência cristã e a primeira comunidade, reunida em torno dos Apóstolos, sabe que pode contar com uma única realidade: Jesus, ressuscitado e vivo. Um homem coxo está sentado pedindo esmola à porta do Templo. Parece a imagem de uma humanidade que perdeu a esperança e está resignada. Até hoje, a Igreja encontra frequentemente homens e mulheres que não têm mais alegrias, que a sociedade colocou à margem, ou que a vida os forçou, de certo modo, a mendigar a existência. Assim relata esta passagem dos Atos: “Então Pedro fixou o olhar nele juntamente com João e disse: ‘Olha para nós’. E ele se voltou para eles, esperando receber alguma coisa. Mas Pedro lhe disse: ‘Não possuo nem prata nem ouro, mas o que tenho te dou: em nome de Jesus Cristo, o Nazareno, levanta-te e anda!’. E, tomando-o pela mão direita, o levantou. De repente, seus pés e tornozelos se fortaleceram e, saltando, pôs-se em pé e começou a andar; e entrou com eles no Templo, caminhando, saltando e louvando a Deus” (3,4-8).

A solicitação que Pedro faz a este homem nos faz refletir: “Olha para nós!”. Olhar nos olhos significa construir uma relação. O ministério de Pedro é criar relações, pontes; e um Representante do Papa está, acima de tudo, a serviço deste convite, deste olhar nos olhos. Sede sempre o olhar de Pedro! Sede homens capazes de construir relações onde é mais difícil. Mas ao fazer isso, conservai a mesma humildade e o mesmo realismo de Pedro, que sabe muito bem que não tem a solução para tudo: “Não tenho nem ouro nem prata”, diz; mas sabe também que tem o que realmente importa, ou seja, Cristo, o sentido mais profundo de toda a existência: “Em nome de Jesus Cristo, o Nazareno, anda!”

Caros irmãos, que vos console sempre o fato de que o vosso serviço está sub umbra Petri, como encontrareis gravado no anel que recebereis como meu presente. Sentí-vos sempre ligados a Pedro, guardados por Pedro, enviados por Pedro. Somente na obediência e na comunhão efetiva com o Papa o vosso ministério poderá ser eficaz para a edificação da Igreja, em comunhão com os Bispos locais.

Texto completo aqui.

segunda-feira, 9 de junho de 2025

Santa Missa - Jubileu da Santa Sé

Hoje temos a alegria e a graça de celebrar o Jubileu da Santa Sé na memória litúrgica de Maria Mãe da Igreja. 

João, o único dos Doze que estava presente no Calvário, viu e testemunhou que, aos pés da cruz, estava a mãe de Jesus, junto às outras mulheres (v. 25). E ouviu com os seus próprios ouvidos as últimas palavras do Mestre, entre as quais estas: «Mulher, eis o teu filho!», e depois, dirigidas a ele: «Eis a tua mãe!» (v. 26-27).

A maternidade de Maria, através do mistério da Cruz, deu um salto impensável: a mãe de Jesus tornou-se a nova Eva, porque o Filho a associou à sua morte redentora, fonte de vida nova e eterna para cada homem que vem a este mundo. O tema da fecundidade está bem presente nesta liturgia. A Oração Coleta põe-no imediatamente em evidência, fazendo-nos pedir ao Pai que a Igreja, sustentada pelo amor de Cristo, seja «cada vez mais fecunda em seu amor materno».

A fecundidade da Igreja é a mesma fecundidade de Maria; e realiza-se na existência dos seus membros na medida em que eles revivem, em menor dimensão, o que a Mãe viveu, isto é, amam segundo o amor de Jesus. Toda a fecundidade da Igreja e da Santa Sé depende da Cruz de Cristo. Caso contrário, é só aparência, se não pior. 

Na Oração Coleta pedimos também que a Igreja «exulte com a santidade dos seus filhos e filhas». Com efeito, esta fecundidade de Maria e da Igreja está inseparavelmente ligada à sua santidade, ou seja, à sua conformação com Cristo. A Santa Sé é santa como o é a Igreja, no seu núcleo original, na fibra de que é tecida. Assim, a Sé Apostólica conserva a santidade das suas raízes enquanto é guardada por elas. Mas não é menos verdade que ela vive também na santidade de cada um dos seus membros. Por isso, a melhor maneira de servir a Santa Sé é esforçarmo-nos por ser santos, cada um de nós segundo o seu estado de vida e a tarefa que nos é confiada.

Chegamos agora ao segundo ícone, aquele escrito por São Lucas no início dos Atos dos Apóstolos, que representa a mãe de Jesus juntamente com os Apóstolos e os discípulos no Cenáculo (1, 12-14). Mostra-nos a maternidade de Maria com a Igreja nascente, uma maternidade “arquetípica”, que permanece atual em todos os tempos e lugares. E que é sempre e principalmente fruto do mistério pascal, do dom do Senhor crucificado e ressuscitado.

Maria, no Cenáculo, graças à missão materna que recebeu aos pés da cruz, está ao serviço da comunidade nascente: ela é a memória viva de Jesus e, como tal, é, por assim dizer, o polo de atração que harmoniza as diferenças e torna concordante a oração dos discípulos.

Os Apóstolos, também neste texto, são elencados pelo nome, e como sempre o primeiro é Pedro (cf. v. 13). Mas ele próprio, efetivamente o primeiro, é apoiado por Maria no seu ministério. Do mesmo modo, a Mãe Igreja apoia o ministério dos sucessores de Pedro com o carisma mariano. A Santa Sé experimenta de modo muito especial a copresença dos dois polos, o mariano e o petrino. E é o mariano que garante a fecundidade a santidade do petrino, com a sua maternidade, dom de Cristo e do Espírito.

Texto completo aqui.


domingo, 8 de junho de 2025

Missa na Solenidade de Pentecostes


Irmãos e irmãs,

«Este é o dia solene em que, depois de sua Ressurreição e depois da glória de sua Ascensão, Jesus Cristo Nosso Senhor enviou o Espírito Santo» (Santo Agostinho, Sermão 271, 1). Também hoje renova-se o que aconteceu no Cenáculo: como um vento impetuoso que nos agita, como um estrondo que nos desperta, como um fogo que nos ilumina, desce sobre nós o dom do Espírito Santo (cf. Act 2, 1-11).

Como ouvimos na primeira leitura, o Espírito realiza algo extraordinário na vida dos Apóstolos. Após a morte de Jesus, eles se enclausuraram no medo e na tristeza, mas agora recebem finalmente um olhar novo e uma inteligência do coração que os ajuda a interpretar o que havia acontecido e a fazer a experiência íntima da presença do Ressuscitado: o Espírito Santo vence o medo, quebra as correntes interiores, alivia as feridas, unge-os de força e lhes dá a coragem de sair ao encontro de todos para anunciar as obras de Deus.

O trecho dos Atos dos Apóstolos diz-nos que havia em Jerusalém, naquele momento, uma multidão proveniente de vários lugares, mas que «cada um os ouvia falar na sua própria língua» (v. 6). Eis que, então, na festa de Pentecostes, as portas do cenáculo se abrem porque o Espírito abre as fronteiras. Como afirmou Bento XVI: «O Espírito Santo concede o dom da compreensão. Ultrapassa a ruptura que teve início em Babel – a confusão dos corações, que nos faz ser uns contra os outros – e abre as fronteiras. […] A Igreja deve tornar-se sempre de novo aquilo que ela já é:  deve abrir as fronteiras entre os povos e romper as barreiras entre as classes e as raças. Nela não pode haver esquecidos nem desprezados. Na Igreja existem unicamente irmãos e irmãs livres em Jesus Cristo» (Homilia em Pentecostes, 15 de maio de 2005).

Eis uma imagem eloquente de Pentecostes sobre a qual gostaria de meditar convosco.

O Espírito abre as fronteiras principalmente dentro de nós. É o Dom que desvela a nossa vida para o amor. E essa presença do Senhor desfaz a nossa dureza, o nosso fechamento, o egoísmo, os medos que nos bloqueiam e o narcisismo que faz-nos rodar apenas em torno de nós mesmos. O Espírito Santo vem para desafiar, em nós, o risco de uma vida que se atrofia, sugada pelo individualismo. É triste observar como num mundo onde se multiplicam as oportunidades de socialização, corremos o risco de ser paradoxalmente mais solitários, sempre conectados, mas incapazes de “fazer redes”, sempre imersos na multidão, mas permanecendo viajantes perdidos e solitários.

O Espírito de Deus, em vez disso, faz-nos descobrir uma nova maneira de ver e viver a vida: abre-nos ao encontro com nós mesmos, para além das máscaras que usamos; conduz-nos ao encontro com o Senhor, educando-nos a experimentar a sua alegria; convence-nos – segundo as próprias palavras de Jesus há pouco proclamadas – que só se permanecermos no amor, é que receberemos também a força para observar a sua Palavra e, assim, sermos transformados por ela. Ele abre as fronteiras dentro de nós, para que a nossa vida se torne um espaço de acolhimento.

O Espírito, além disso, abre as fronteiras também nas nossas relações. Com efeito, Jesus diz que este Dom é o amor entre Ele e o Pai que vem habitar em nós. E quando o amor de Deus habita em nós, tornamo-nos capazes de abrirmo-nos aos irmãos, de vencer a nossa rigidez, de superar o medo em relação ao que é diferente, de educar as paixões que se agitam dentro de nós. Mas o Espírito transforma também os perigos mais ocultos que envenenam as nossas relações, como os mal-entendidos, os preconceitos, as instrumentalizações. Penso também – com muita dor – em quando uma relação é infestada pela vontade de dominar o outro, uma atitude que frequentemente desemboca na violência, como infelizmente demonstram os numerosos e recentes casos de feminicídio.

O Espírito Santo, ao contrário, faz amadurecer em nós os frutos que nos ajudam a viver relações verdadeiras e boas: «amor, alegria, paz, paciência, benignidade, bondade, fidelidade, mansidão, autodomínio» (Gl 5, 22-23). Dessa forma, o Espírito alarga as fronteiras das nossas relações com os outros e nos abre à alegria da fraternidade. E esse é um critério decisivo também para a Igreja: só somos verdadeiramente a Igreja do Ressuscitado e discípulos de Pentecostes se entre nós não houver fronteiras nem divisões, se na Igreja soubermos dialogar e acolher-nos mutuamente, integrando as nossas diversidades, e se, como Igreja, nos tornarmos um espaço acolhedor e hospitaleiro para todos.

Por fim, o Espírito abre as fronteiras também entre os povos. Em Pentecostes, os Apóstolos falam as línguas daqueles que encontram e o caos de Babel é finalmente pacificado pela harmonia gerada pelo Espírito. As diferenças, quando o Sopro divino une os nossos corações e faz-nos ver no outro o rosto de um irmão, não se tornam ocasião de divisão e conflito, mas um tesouro comum, do qual todos podemos tirar proveito e que nos coloca em caminho, todos juntos, na fraternidade.

O Espírito rompe fronteiras e derruba os muros da indiferença e do ódio, porque “nos ensina tudo” e “nos recorda as palavras de Jesus” (cf. Jo 14, 26); e, por isso, primeiramente ensina, recorda e grava nos nossos corações o mandamento do amor, que o Senhor colocou no centro e no ápice de tudo. E onde há amor, não há espaço para preconceitos, para distâncias de segurança que nos afastam do próximo, para a lógica da exclusão que vemos emergir, infelizmente, também nos nacionalismos políticos.

Justamente ao celebrar a Solenidade de Pentecostes, o Papa Francisco observou que «hoje, no mundo, há tanta discórdia, tanta divisão! Estamos conectados e, contudo, vivemos desligados uns dos outros, anestesiados pela indiferença e oprimidos pela solidão» (Homilia, 28 de maio de 2023). As guerras que agitam o nosso planeta são um sinal trágico de tudo isso. Invoquemos o Espírito do amor e da paz, a fim de que abra as fronteiras, derrube os muros, dissolva o ódio e nos ajude a viver como filhos do único Pai que está nos céus.

Irmãos e irmãs: Pentecostes renova a Igreja e o mundo! Que o vento vigoroso do Espírito desça sobre nós e em nós abra as fronteiras do coração, dê-nos a graça do encontro com Deus, amplie os horizontes do amor e sustente os nossos esforços pela construção de um mundo onde reine a paz.

Que Maria Santíssima, Mulher do Pentecostes, Virgem visitada pelo Espírito, Mãe cheia de graça, nos acompanhe e interceda por nós.

sábado, 7 de junho de 2025

Vigília de Pentecostes - Jubileu dos Movimentos Eclesiais, Associações de Fiéis e Novas Comunidades


Queridos irmãs e irmãos!

O Espírito criador que invocamos no canto – Veni creator Spiritus – é o Espírito que desceu sobre Jesus, o protagonista silencioso da sua missão: «O Espírito do Senhor está sobre mim» (Lc 4, 18). Ao pedirmos que visite as nossas almas, multiplique as línguas, ilumine a nossa mente, infunda o amor, fortaleça os corpos, dê a paz, abrimo-nos ao Reino de Deus. Essa é a conversão segundo o Evangelho: voltarmo-nos para o Reino que já está próximo.

Em Jesus vemos e d’Ele ouvimos que tudo se transforma, porque Deus reina, porque Deus está perto. Nesta vigília de Pentecostes, estamos profundamente envolvidos na proximidade de Deus, pelo seu Espírito que une as nossas histórias com a de Jesus. Isto é, estamos envolvidos nas coisas novas que Deus faz, para que a sua vontade de vida se realize e prevaleça sobre os desejos de morte.

«Porque me ungiu para anunciar a Boa-Nova aos pobres; enviou-me a proclamar a libertação aos cativos e, aos cegos, a recuperação da vista; a mandar em liberdade os oprimidos, a proclamar um ano favorável da parte do Senhor» (Lc 4, 18-19). Sentimos aqui o perfume do Crisma, com o qual a nossa fronte também foi marcada. O Batismo e a Confirmação, queridos irmãos e irmãs, uniram-nos à missão transformadora de Jesus, ao Reino de Deus. Assim como o amor torna familiar o perfume de uma pessoa querida, reconhecemos, nesta noite, o perfume de Cristo uns nos outros. É um mistério que nos maravilha e nos faz pensar.

No Pentecostes, Maria, os Apóstolos, as discípulas e os discípulos que estavam com eles foram investidos de um Espírito de unidade, que enraizou para sempre as suas diversidades no único Senhor Jesus Cristo. Não muitas missões, mas uma única missão. Não introvertidos e conflituosos, mas extrovertidos e luminosos. Esta Praça de São Pedro, que é como um abraço aberto e acolhedor, expressa de modo magnífico a comunhão da Igreja, vivida por cada um de vós nas diversas experiências associativas e comunitárias, muitas das quais representam frutos do Concílio Vaticano II. 

Na tarde da minha eleição, olhando com emoção para o povo de Deus aqui reunido, lembrei da palavra “sinodalidade”, que expressa muito bem o modo como o Espírito molda a Igreja. Nessa palavra, ressoa o syn – o “com” – que constitui o segredo da vida de Deus. Deus não é solidão. Deus é em si mesmo “com” – Pai, Filho e Espírito Santo – e é Deus conosco. Ao mesmo tempo, sinodalidade recorda-nos o caminho – odós – porque onde está o Espírito, há movimento, há caminho. Somos um povo em caminho. Essa consciência não nos afasta, mas faz-nos mergulhar na humanidade, como o fermento, que leveda toda a massa. O ano da graça do Senhor, do qual o Jubileu é expressão, traz em si este fermento. Num mundo dilacerado e sem paz, o Espírito Santo educa-nos verdadeiramente a caminhar juntos. Se não nos movermos mais como predadores, mas como peregrinos, a terra descansará, a justiça prevalecerá, os pobres se alegrarão e a paz voltará. Não mais cada um por si, mas harmonizando os nossos passos com os passos dos outros. Não consumindo o mundo com voracidade, mas cultivando e cuidando dele, como nos ensina a Encíclica Laudato si'

Caríssimos, Deus criou o mundo para que pudéssemos estar juntos. “Sinodalidade” é o nome eclesial desta consciência. É o caminho que exige que cada um reconheça a sua dívida e o seu tesouro, sentindo-se parte de um todo, fora do qual tudo murcha, mesmo o mais original dos carismas. Reparai: toda a criação existe somente na modalidade do estar juntos, às vezes com perigos, mas sempre um estar juntos (cf. Laudato si', 16, 117). E o que chamamos de “história” toma forma somente na modalidade do reunir-se, do viver juntos, muitas vezes cheio de dissídios, mas sempre um viver juntos. O contrário é mortal, mas, infelizmente, está diante dos nossos olhos, todos os dias. Então, que as vossas agregações e comunidades sejam ginásios de fraternidade e participação, não apenas como locais de encontro, mas como lugares de espiritualidade. O Espírito de Jesus muda o mundo porque muda os corações. Ele inspira, realmente, aquela dimensão contemplativa da vida que rejeita a autoafirmação, a murmuração, o espírito de contenda, o domínio das consciências e dos recursos. O Senhor é o Espírito e onde está o Espírito do Senhor, aí está a liberdade (cf. 2 Cor 3, 17). Portanto, a autêntica espiritualidade implica o compromisso com o desenvolvimento humano integral, atualizando entre nós a palavra de Jesus. Onde isso acontece, há alegria. Alegria e esperança.

A evangelização, queridos irmãos e irmãs, não é uma conquista humana do mundo, mas a graça infinita que se difunde a partir de vidas transformadas pelo Reino de Deus. É o caminho das Bem-aventuranças, uma estrada que percorremos juntos, na tensão entre “já” e o “ainda não”, famintos e sedentos de justiça, pobres de espírito, misericordiosos, mansos, puros de coração, construtores da paz. Para seguir Jesus neste percurso escolhido por Ele, não são necessários apoiadores poderosos, compromissos mundanos, estratégias emocionais. A evangelização é obra de Deus e, se por vezes passa através de nós, é pelos laços que ela torna possíveis. Portanto, permanecei profundamente ligados a cada uma das Igrejas particulares e das comunidades paroquiais onde alimentais e exerceis os vossos carismas. Em torno dos vossos bispos e em sinergia com todos os outros membros do Corpo de Cristo, agiremos, então, em harmoniosa sintonia. Se juntos obedecermos ao Espírito Santo, os desafios que a humanidade enfrenta serão menos assustadores, o futuro menos sombrio e o discernimento menos difícil!

Que Maria, Rainha dos Apóstolos e Mãe da Igreja, interceda por nós.

Aos participantes do Simpósio Ecumênico pelos 1700 anos do Concílio de Niceia

A paz esteja convosco!

Eminências,
Excelências,
Egrégios Professores,
Queridos irmãos e irmãs em Cristo,

Uma calorosa saudação de boas-vindas a todos vós, que participais no Simpósio Niceia e a Igreja do Terceiro Milénio: Rumo à unidade Católico-Ortodoxa, organizado conjuntamente pelo Œcumenicum – o Instituto de Estudos Ecumênicos do Angelicum – e pela Associação Teológica Ortodoxa Internacional. A minha saudação vai, de modo especial, para os representantes das Igrejas Ortodoxas e Ortodoxas Orientais, muitos dos quais me honraram com a sua presença na Missa que marcou o início solene do meu Pontificado. 

Antes de continuar com as observações formais, gostaria apenas de pedir desculpa pelo meu atraso e também de pedir a vossa paciência. Ainda não passou um mês desde que assumi o novo cargo, por isso, há ainda muito para aprender. No entanto, estou muito feliz por estar aqui convosco esta manhã.

Apraz-me constatar que o Simpósio está resolutamente orientado para o futuro. O Concílio de Niceia não é apenas um acontecimento do passado, mas uma bússola que deve continuar a guiar-nos em direção à plena unidade visível dos cristãos. O Primeiro Concílio Ecumênico é basilar para o caminho comum que católicos e ortodoxos empreenderam juntos desde o Concílio Vaticano II. Para as Igrejas Orientais, que o comemoram no seu calendário litúrgico, o Concílio de Niceia não é apenas um Concílio entre outros ou o primeiro de uma série, mas o Concílio por excelência, que promulgou a norma da fé cristã, a confissão de fé dos “318 Padres”.

Os três temas do vosso Simpósio são especialmente relevantes para o nosso caminho ecuménico. Em primeiro lugar, a fé de Niceia. Como a Comissão Teológica Internacional observou no seu recente Documento para o 1700º aniversário de Niceia, o ano 2025 representa «uma oportunidade inestimável para sublinhar o que temos em comum, que é muito mais forte, quantitativa e qualitativamente, do que aquilo que nos divide: juntos, cremos no Deus Uno e Trino, em Cristo como verdadeiro homem e verdadeiro Deus, na salvação por Jesus Cristo, segundo as Escrituras lidas na Igreja e sob a direção do Espírito Santo. Juntos, cremos a Igreja, o batismo, a ressurreição dos mortos a vida eterna». (Jesus Cristo, Filho de Deus, Salvador, n. 43). Estou convencido de que, voltando ao Concílio de Niceia e haurindo juntos desta fonte comum, poderemos ver sob uma luz diferente os pontos que ainda nos separam. Através do diálogo teológico e com a ajuda de Deus, compreenderemos melhor o mistério que nos une. Celebrando unidos esta fé nicena e proclamando-a em conjunto, avançaremos também para a restauração da plena comunhão entre nós.

O segundo tema do vosso Simpósio é a sinodalidade. O Concílio de Niceia inaugurou um caminho sinodal para a Igreja dar seguimento às questões teológicas e canónicas a nível universal. O contributo dos delegados fraternos das Igrejas e comunidades eclesiais do Oriente e do Ocidente para o recente Sínodo sobre a sinodalidade, realizado aqui no Vaticano, foi um estímulo valioso para uma reflexão ainda maior sobre a natureza e a prática da sinodalidade. O Documento Final do Sínodo observou que «o diálogo ecuménico é fundamental para desenvolver a compreensão da sinodalidade e da unidade da Igreja» e prosseguiu encorajando o desenvolvimento de «práticas sinodais ecuménicas, até mesmo formas de consulta e discernimento sobre assuntos de interesse comum e urgente» (Para uma Igreja Sinodal: Comunhão, Participação, Missão, n. 138). Espero que a preparação e a comemoração conjunta do 1700º aniversário do Concílio de Niceia sejam uma ocasião providencial «para aprofundar e confessar juntos a fé cristológica e para pôr em prática formas de sinodalidade entre os Cristãos de todas as tradições» (cf. ibid., n. 139).

O Simpósio possui um terceiro tema relacionado com a data da Páscoa. Como sabemos, um dos objetivos do Concílio de Niceia era estabelecer uma data comum para a Páscoa, a fim de exprimir a unidade da Igreja em toda a oikoumene. Infelizmente, as diferenças nos calendários já não permitem que os cristãos celebrem juntos a festa mais importante do ano litúrgico, causando problemas pastorais nas comunidades, dividindo as famílias e enfraquecendo a credibilidade do nosso testemunho do Evangelho. Foram propostas várias soluções concretas que, respeitando o princípio de Niceia, permitiriam aos cristãos celebrar juntos a “Festa das Festas”. Neste ano, em que todos os cristãos celebraram a Páscoa no mesmo dia, reafirmo a abertura da Igreja Católica para procurar uma solução ecuménica que favoreça a celebração comum da ressurreição do Senhor e dê assim maior força missionária ao nosso anúncio do «nome de Jesus e da salvação que nasce da fé na verdade do Evangelho» (Discurso às Pontifícias Obras Missionárias, 22 de maio de 2025).

Irmãos e irmãs, nesta vigília de Pentecostes, recordemos que a unidade pela qual os cristãos anseiam não será, em primeiro lugar, fruto dos nossos próprios esforços, nem se realizará através de qualquer projeto ou modelo preconcebido. Pelo contrário, a unidade será um dom recebido «como Cristo quiser e pelos meios que Ele quiser» (Oração pela Unidade do Padre Paul Couturier), mediante a ação do Espírito Santo. Sendo assim, neste momento convido-vos a ficar em pé para que juntos possamos implorar o dom da unidade do Espírito. A oração que recitarei implora a unidade do Espírito através de um texto inspirado pela tradição oriental:

“Ó Rei Celestial, Consolador, Espírito da Verdade,
Que estais em toda a parte e preencheis todas as coisas;
Tesouro de Bênçãos e Doador da Vida,
Vinde habitar em nós, purificai-nos de toda a impureza
e salvai as nossas almas, ó Único Bem”.

O Senhor esteja convosco! A bênção de Deus Todo-Poderoso, Pai, Filho e Espírito Santo desça sobre vós e permaneça convosco para sempre. Amen.

Muito obrigado!

sexta-feira, 6 de junho de 2025

Aos moderadores das Associações de Fiéis, Movimentos Eclesiais e das Novas Comunidades


O dom da vida associativa e dos carismas

As realidades agregadoras a que pertenceis são muito diversas, por natureza e por história, e todas são importantes para a Igreja. Algumas nasceram para partilhar um objetivo apostólico, caritativo de culto, ou para apoiar o testemunho cristão em ambientes sociais específicos. Outras, porém, nasceram de uma inspiração carismática, de um carisma inicial que deu origem a um movimento, a uma nova forma de espiritualidade e de evangelização.

Na vontade de se associar, que deu origem ao primeiro tipo de agregação, encontramos uma caraterística essencial: ninguém é cristão sozinho! Fazemos parte de um povo, de um corpo que o Senhor constituiu. Santo Agostinho, falando dos primeiros discípulos de Jesus, diz: «Tinham-se tornado certamente o templo de Deus, e não o tinham sido apenas individualmente, mas no seu conjunto tinham-se tornado o templo de Deus» (En. in Ps. 1315). A vida cristã não é vivida isoladamente, como se fosse uma aventura intelectual ou sentimental, confinada na nossa mente e no nosso coração. Vive-se com outros, em grupo, em comunidade, porque Cristo ressuscitado se faz presente entre os discípulos reunidos em seu nome.

Depois, há as realidades nascidas de um carisma: o carisma de um fundador ou de um grupo de iniciadores, ou o carisma que se inspira no de um instituto religioso. Também esta é uma dimensão essencial na Igreja. 

Assim, tudo na Igreja é entendido com referência à graça: a instituição existe para que a graça seja sempre oferecida, os carismas são suscitados para que essa graça seja recebida e dê frutos. Sem os carismas, corre-se o risco de que a graça de Cristo, oferecida em abundância, não encontre terreno propício para a receber! É por isso que Deus suscita os carismas, para que despertem nos corações o desejo de um encontro com Cristo, a sede da vida divina que Ele nos oferece, numa palavra, a graça!

Com isto quero reafirmar, na esteira dos meus Predecessores e do Magistério da Igreja, sobretudo a partir do Concílio Vaticano II, que os dons hierárquicos e os dons carismáticos «são coessenciais à constituição divina da Igreja fundada por Jesus». 

Unidade e missão, em união com o Papa

Unidade e missão são duas pedras angulares na vida da Igreja e duas prioridades no ministério petrino. Por isso, convido todas as associações e os movimentos eclesiais a colaborar fiel e generosamente com o Papa, especialmente nestes dois âmbitos.

Esta unidade, que viveis nos grupos e nas comunidades, expandi-a por toda a parte: na comunhão com os Pastores da Igreja, na proximidade com as outras realidades eclesiais, na proximidade com as pessoas que encontrais.

Mantende sempre vivo entre vós este zelo missionário: os movimentos desempenham ainda hoje um papel fundamental na evangelização. Ponde os vossos talentos ao serviço da missão, quer nos lugares da primeira evangelização, quer nas paróquias e nas estruturas eclesiais locais, para chegar a tantos que estão longe e, por vezes sem o saber, esperam a Palavra de Vida.

Conclusão

Mantende sempre o Senhor Jesus no centro! Isto é o essencial, e os próprios carismas servem para isto. O carisma serve para o encontro com Cristo, para o crescimento e amadurecimento humano e espiritual das pessoas e para a edificação da Igreja. Neste sentido, todos somos chamados a imitar Cristo, que se esvaziou a si mesmo para nos enriquecer (cf. Fl 2, 7). Assim, quem persegue um objetivo apostólico com os outros ou quem é portador de um carisma é chamado a enriquecer os outros despojando-se de si mesmo. E isso é fonte de liberdade e de grande alegria.

Texto completo aqui.